domingo, 13 de abril de 2008

Capitulo I - O Soar Frio de Jack

Capitulo I

O soar frio de Jack

A poeira pairava como uma leve neblina calma sobre escritório mal cuidado de Antônio. A umidade das paredes juntava-se com o mofo do carpete, que mais parecia uma obra de arte psicodelicamente surrealista. De primeira mão parecia nojento, mas depois de algum tempo causava também repulsa. O lugar estava imundo e delicadamente bagunçado, papéis espalhados por todos os lados sobre escrivaninha — que também servia de mesa para jantar, pois se via pratos com sobras sobre ela — que à muito Antonio vinha dizendo que pertencera ao Hitcock¬. Sobre o tapete pequenas pilhas de livros e arquivos de casos antigos, o pequeno divã que ficava sob a janela estava coberto de roupas, sujas e limpas, misturadas. Nas paredes ao lado da janela Antônio havia fixado um mural, que agora estava pendendo para um dos lados. No outro canto da sala próximo ao banheiro ficava uma cozinha improvisada, com um pequeno fogão de duas bocas e um prateleira que também servia como balcão. Era impossível acreditar que alguém conseguia morar ali, mas o investigador particular Antônio já havia se acostumado, e pode-se dizer que até gostava, do seu quarto-escritorio.
Antônio acabara de entrar pela porta, trazendo seu cansaço, a barba por fazer, um cabelo meio comprido desarrumado, suas roupas surradas e uma cara de quem não consegue entender algo.
A única iluminação que se tinha era do neon da boate logo abaixo, que fica piscando vez que outra. A energia elétrica do escritório tinha sido cortada por falta de pagamento há uns dois meses. No inicio Antônio sentia falta do ventilador, que não havia como fazer parar. Mas agora ele já tinha conseguido se acostumar. Sentia mais falta era do café, como não tinha um bule e nem energia para ligar a cafeteira ficava só nos charutos.
Ele cruzou a sala desviando-se dos objetos e papeis jogados pelo carpete, circulou a mesa do hitcock, tirou o sobretudo e o chapéu de detetive e jogou-se sobre uma cadeira de rodinhas, que estava sem as rodinhas. Com uma das mãos alcançou um gravador e deu o "play".
Com os pés sobre a mesa e o charuto costumeiro no canto direito da boca, se deixou perder em pensamentos. Este era o dia mais estranho pelo qual ele havia passado nos últimos cinco anos, desde que deixou a policia para se tornar detetive particular. O problema é que não há trabalho digno para um detetive. As investigações eram sempre as mesmas, uma mulher traída querendo saber se realmente o marido a estava traindo, e muitas vezes, o contrario também. Eram casos simples, pois as pessoas envolvidas eram simples. Mas este caso era diferente, era um assassinato. E pela forma que ele foi cometido não se tratava de um simples assassino. Muito menos de simples vitimas.

Manhã do dia anterior

Um telefone alto que não era para estar tocando, tilintava como louco em cima da escrivaninha do escritório moribundo de Antônio. Mas aquele sono era mais do que bom, era um sonho, uma alternativa para fugir da realidade em que ele se encontrava. E Antônio não queria acordar.
Uma rua extensa e movimentada, carros pra lá e pra cá, assim como as pessoas. Um brilho estranho pouco nítido. Era o sol, ou mar talvez. O vento soprava lindamente, espalhando uma pequena nuvem de poeira, que rodopiava, e se acabava no ar. Era sua família seus filhos brincado no parque, sua mulher esperando para comer. Era uma vida que ele havia desperdiçado. Sua culpa, sua total culpa. Ele merecia um castigo. A parte indolor acabou. Antônio levantou sua cabeça e viu seu escritório exatamente como ele o havia deixado, uma completa bagunça. Suas coisas espalhadas por todos os lados juntamente com a sua esperança de melhorar e viver normalmente de novo. Mas a sua doença era grave e não tinha uma cura.
Com um solavanco esforçado se ergueu da cadeira e foi em direção ao banheiro. Abriu fortemente a torneira e deixou correr um pouco de água sobre as mãos. Jogou um bocado de água no rosto e ergueu a cabeça para ver seu rosto no espelho. Mas não achou exatamente o que procurava. Era ele mesmo, com pedaços de carne escorrendo pelo rosto, era a sua pele. Ele conseguia ver os vermes corroendo por seus olhos. Descamava como um peixe velho. Sacudiu a cabeça achando que tudo aquilo poderia ser só um pesadelo. Mas viu que pedaços inteiros de sua carne espelharam-se pelo banheiro sujo. Agora vinha uma dor maçante que lhe machucava mais que um tiro. Era o ódio que sentia de si mesmo, e a humilhação de se tornar uma criatura tão fétida e imunda. Ele caiu de joelhos no chão e pode sentir o cheio poder que vinha de seu corpo.
Um homem alto com cabelos até o meio das costa e um cavanhaque mexicano, entrou pela porta do banheiro e juntou o montinho de ser humano que
Antônio tinha se tornado, jogado no chão daquele banheiro.
Aquilo já estava tornando-se algo rotineiro. Antonio alucinava. Mas não conseguia entender o aviso, muito menos mudar.